19 setembro 2012

Sobre ônibus e cabelos ruivos

Julian entrou no ônibus com a mesma cara de cansado de sempre e por acaso se sentou. Aquele dia fora extremamente comum, para não dizer insuportável, mas arrumar um lugar no ônibus, além de raro, é suficiente para fazer a felicidade de qualquer pessoa. Aliviado ele colocou a bolsa sobre os pés esperando por seu companheiro de banco e pedindo, suplicando, que não fosse um homem suado.

O que ele tomou no café da manhã pra conseguir essa façanha é um mistério, mas por um golpe de sorte, a menina das trancinhas ruivas foi quem ocupou o assento ao lado... Já era uma vitória ter conseguido um lugar! Agora, tendo a ruivinha de acompanhante, ele quase poderia chamar o maldito horário de pico de paraíso.

- Oi. – ela cutucou Julian que tentava sem sucesso desviar o olhar dos joelhos dela - Dava pra abri a janela fazeno favor? – a ruivinha pediu com um sorriso tímido. Como se Julian fosse resistir a qualquer coisa que saísse por aqueles lábios...

- Claro! – respondeu ele com rapidez e olhos arregalados de surpresa. Adrenalina correu as veias disparando o coração do menino. Por mais que se espere, nunca se está totalmente preparado para trocar a primeira palavra com a menina que se vem namorando à distância.

O romance deles era um daqueles casos comuns de terminais rodoviários. Do tipo em que a mocinha da plataforma vizinha é tão linda que parece impossível desviar o olhar e, exatamente na hora em que ela vai retribuir com olhos carregados de paixão e volúpia, por infortúnio do destino, o ônibus chega e ela some de vista. Já devia ter uma semana que Julian a observava e todo dia era a mesma ladainha.

Mas agora ela estava do seu lado no ônibus mais cheio da cidade. Tudo poderia acontecer!

Julian se ajeitou inquieto no assento: precisava falar com ela! Infelizmente, puxar assunto nunca fora seu ponto forte, parecia que nada servia. E ele já tinha pensando em tudo! De “Será que hoje chove?” a “Qual sua opinião sincera sobre pingüins de geladeira?”. Patético.

Ele nunca a tinha visto de perto, mas a ruivinha era mesmo ruiva da raiz às pontas do cabelo. Parecia natural, mas tinha algo de hipnótico no modo como ela tirava a franja do rosto. Desorientado e amaldiçoando suas mãos por suarem ele se virou para falar com ela. Sua sorte devia estar acabando, porque no mesmo instante em que virou a cabeça o vento jogou a franja vermelha nos olhos dela. Lá se foi toda a pouca coragem que ele tinha.

Ele tinha que tomar atitude logo. Não era comum encontrar um banco vago, tampouco uma menina de trancinhas tão desgrenhadamente perfeitas. Ainda mais, porque ela tinha olhos cor de amêndoa e muitas sardas, usava uma mochilinha cor de rosa e sapatos surrados também da mesma cor. E, não se perde uma menina que tenha sardas e use sapatinhos combinando.

Sem falar das marquinhas perto da boca. Dava pra ficar olhando pra elas eternamente...

- Desculpa, estou-te pertubando? – a menina perguntou se mexendo incomodada

- Oi?! – Julian sequer tinha disfarçado a fixação - De jeito nenhum. – apressou-se em corrigir. - É que você tem umas marquinhas legais perto da boca. – ele admitiu corando

- Ah – ruivinha riu sem graça – Coisas de quando criança.

- Ah, sei. - ele tentou dar um sorriso.

 Julian já poderia ver os filhos que teriam um dia, todos com aqueles narizes fininhos dela... Com os cabelos ruivos dela e vozes baixinhas e suaves como ela. Eles não precisavam ter nada dele... Talvez se fizesse alguns clones seria possível ter milhares daquela ruivinha. Silêncio, Julian, freadas e uma parada numa rua estreita.

- Bom, essa é minha hora.

- Tudo bem então.

- Então tchau – ela se levantou pondo a mochila nas costas e ajeitando a franja.  Virou-se para Julian e deu-lhe outro sorriso tímido, fazendo-o ficar sem jeito.

- É... Tchau.

Julian ficou olhando- a sair. Seus quadris largos balançando de leve num ritmo inconstante, as trancinhas batendo nas costas, a sapatilha saindo do pé... Tinha vontade de sair correndo atrás da ruivinha e lhe dizer o quanto era maravilhosa. Talvez até lhe confessar amor eterno e pedi-la em casamento! Talvez se corresse ainda a alcançasse a tempo de serem felizes para sempre, bastava uma atitude. Mas Julian era assim. Tudo ficava na sua vontade ou na lista de obrigações domésticas que sua mãe diariamente pregava na porta da cozinha.

Ônibus em horário de pico não tem lugar vago; sai ruivinha entra alguém. E, nesse sobe e desce, empurra e aperta, o tempo vai passando e cada um vai pra um lado, até que o ônibus volta pro seu lugar sem se preocupar com Julians, nem ruivinhas, nem amores frustrados de estação.



Texto escrito por mim. Espero que tenham gostado.
Beijos, Ju

4 comentários:

  1. Que gracinha de texto!! Adorei (:

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  2. Você renunciou o final feliz, pra demonstrar que o mundo continua a girar independente de nossas particularidades? Ou você apenas seguiu sua intuição e escreveu por impulso, sem um objetivo?

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  3. Oi Fábio.
    Sabe, sua pergunta me intrigou um pouco porque eu nunca tinha pensado no real motivo do meu final. Acho que tem um pouquinho dos dois.
    Não gosto muito de idealização. Acho que ela toma conta de boa parte do que esperamos, por isso temos tantas decepções (principalmente em relação ao amor), porque muitas vezes queremos que aconteçam coisas previamente estabelecidas. Mas é obvio que elas não vão acontecer sempre! Na verdade, quase nunca!
    Essa situação que narrei no conto foi inspirada num acontecimento real e ao mesmo tempo imaginário. Acho que isto foi o que determinou o final.
    Quem sabe um dia se reencontrem e tenham um final feliz. Mas não foi naquele dia, a vida simplesmente continua independente das suas vontades e, espero que não soe pessimista, independente de você. Talvez jamais aconteça deles se reencontrarem. Só sei que não dá pra saber.

    Haha, espero que tenha entendido alguma coisa. Pessoalmente achei confusa minha explicação (rs)
    Obrigada pelo comentário e pela visita.
    Beijos

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  4. Ah, então você fez um final infeliz pra surpreender. De fato, quem le espera um final feliz, ja que desde pequeno somos impelidos a acreditar neles.. Um pouco de maldade com seus personagens não acha? Hehe a sua grande sacada foi o cabelo ruivo. Meninas ruivas parecem sempre esconder um segredo indeciffravel, quase inalcansavel. Pequenas sacadas podem fazer uma grande escritora ;) de atenção especial aos pequenos charmes, as vezes a cor de um cabelo ou um acontecimento pararelo prendem a atenção, assim como você fez (intencionalmente ou não, ja que você não soube dizer).

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