Tinha um buraco no chão. Chamo de
buraco porque não sei ao certo o que era, mas tenho certeza que não era um
buraco propriamente dito, não daqueles que a gente costuma encontrar.
Assemelhava-se mais a uma mancha, só que não era uma mancha tipo as manchas que
costumamos ver, o que me faz duvidar se de fato o era. Talvez fosse uma
lasca... Se parecia mesmo com uma lasca, mas tinha bordas que davam noção de
profundidade e, pensando bem, não era uma lasca. Jamais teria como ser... Vai
ver era um buraco mesmo.
Só que não era fundo. Nem raso.
Nem aquilo que o delimitava eram bordas. Havia um jogo de cores e sombras pra
iludir, pra fingir ilhas num buraco que não é buraco, tampouco algo substancialmente
possível para ter ilhas. Talvez fosse nada, talvez fosse foice, fossa. Mas
sendo qualquer coisa nenhuma sei que o era de qualquer perspectiva. Olhando de
cima era, de baixo também, dos lados tentava enganar fingindo ser outra, mas
não conseguia, no fim continuava sendo. Eram todos; sem ser nenhum igual ao
outro.
Que poderia ser então? Um ponto
de interrogação num chão supostamente esclarecido; uma dúvida bem colocada
entre quatro cerâmicas; uma obra de arte... Quem sabe? Talvez não fosse nada
disso afinal. Não cheguei perto o suficiente pra saber se respirava, mas vai
ver a coisa tinha vida e saia correndo quando alguém chegava perto, deixando só
a marca de que um dia esteve ali. Provavelmente ela tinha histórias pra contar e anseios de ir pra algum lugar longe de toda monotonia. Ou vai ver não tinha vida e mesmo assim
corria pra se esconder de mim. Entendo que é compreensível que um ser que não
sei o que é tenha medo de seres que acham que sabem o que são.
Mas, se mancha, se lasca, se bicho, se
falha ou se obra de arte não importa, porque, independente do que fosse tinha forma de
ser e, aposto a própria coisa, que era. Parmênides e sua família que me desculpem, mas o ser
era e o não ser também, o buraco que não era buraco poderia ser o que quisesse, era livre! E por isso era um em outro, vários em um só. Só era, do jeito mais indecifrável de ser, uma coisa coisada, sem nome, que, poxa vida, que coisa! Ou talvez não fosse...
A propósito, nem sei mais se sei que estava lá. Vai ver nunca estive...