Julian entrou no ônibus com a
mesma cara de cansado de sempre e por acaso se sentou. Aquele dia fora
extremamente comum, para não dizer insuportável, mas arrumar um lugar no ônibus,
além de raro, é suficiente para fazer a felicidade de qualquer pessoa. Aliviado
ele colocou a bolsa sobre os pés esperando por seu companheiro de banco e pedindo, suplicando, que não fosse um homem suado.
O que ele tomou no café da manhã
pra conseguir essa façanha é um mistério, mas por um golpe de sorte, a menina
das trancinhas ruivas foi quem ocupou o assento ao lado... Já era uma vitória ter
conseguido um lugar! Agora, tendo a ruivinha de acompanhante, ele quase poderia
chamar o maldito horário de pico de
paraíso.
- Oi. – ela cutucou Julian que
tentava sem sucesso desviar o olhar dos joelhos dela - Dava pra abri a janela fazeno favor? – a
ruivinha pediu com um sorriso tímido. Como se Julian fosse resistir a qualquer coisa que saísse por aqueles lábios...
- Claro! – respondeu ele com
rapidez e olhos arregalados de surpresa. Adrenalina correu as veias disparando o coração do
menino. Por mais que se espere, nunca se está totalmente preparado para trocar
a primeira palavra com a menina que se vem namorando à distância.
O romance deles era um daqueles
casos comuns de terminais rodoviários. Do tipo em que a mocinha da plataforma
vizinha é tão linda que parece impossível desviar o olhar e, exatamente na hora
em que ela vai retribuir com olhos carregados de paixão e volúpia, por
infortúnio do destino, o ônibus chega e ela some de vista. Já devia ter uma
semana que Julian a observava e todo dia era a mesma ladainha.
Mas agora ela estava do seu lado
no ônibus mais cheio da cidade. Tudo poderia acontecer!
Julian se ajeitou inquieto no assento: precisava falar com ela! Infelizmente, puxar assunto nunca fora seu ponto forte, parecia que nada servia. E ele já tinha pensando em tudo! De “Será que hoje chove?” a “Qual sua opinião sincera sobre pingüins de geladeira?”. Patético.
Ele nunca a tinha visto de perto,
mas a ruivinha era mesmo ruiva da raiz às pontas do cabelo. Parecia natural,
mas tinha algo de hipnótico no modo como ela tirava a franja do rosto. Desorientado
e amaldiçoando suas mãos por suarem ele se virou para falar com ela. Sua sorte
devia estar acabando, porque no mesmo instante em que virou a cabeça o vento jogou a franja vermelha nos olhos dela. Lá se foi toda a pouca coragem que ele tinha.
Ele tinha que tomar atitude logo.
Não era comum encontrar um banco vago, tampouco uma menina de trancinhas tão desgrenhadamente
perfeitas. Ainda mais, porque ela tinha olhos cor de amêndoa e muitas sardas,
usava uma mochilinha cor de rosa e sapatos surrados também da mesma cor. E, não se perde uma menina que tenha sardas e use sapatinhos combinando.
Sem falar das marquinhas perto da boca. Dava pra ficar olhando pra elas
eternamente...
- Desculpa, estou-te pertubando?
– a menina perguntou se mexendo incomodada
- Oi?! – Julian sequer tinha
disfarçado a fixação - De jeito nenhum. – apressou-se em corrigir. - É que você
tem umas marquinhas legais perto da boca. – ele admitiu corando
- Ah – ruivinha riu sem graça – Coisas
de quando criança.
- Ah, sei. - ele tentou dar um sorriso.
Julian já poderia ver os filhos que teriam um dia, todos com aqueles narizes fininhos dela... Com os cabelos ruivos dela e vozes baixinhas e suaves como ela. Eles não precisavam ter nada dele... Talvez se fizesse alguns clones seria possível ter milhares daquela ruivinha. Silêncio, Julian, freadas e uma parada numa rua estreita.
- Bom, essa é minha hora.
- Tudo bem então.
- Então tchau – ela se levantou
pondo a mochila nas costas e ajeitando a franja. Virou-se para Julian e deu-lhe outro sorriso
tímido, fazendo-o ficar sem jeito.
- É... Tchau.
Julian ficou olhando- a sair.
Seus quadris largos balançando de leve num ritmo inconstante, as trancinhas
batendo nas costas, a sapatilha saindo do pé... Tinha vontade de sair correndo
atrás da ruivinha e lhe dizer o quanto era maravilhosa. Talvez até lhe
confessar amor eterno e pedi-la em casamento! Talvez se corresse ainda a
alcançasse a tempo de serem felizes para sempre, bastava uma atitude. Mas
Julian era assim. Tudo ficava na sua vontade ou na lista de obrigações domésticas
que sua mãe diariamente pregava na porta da cozinha.
Ônibus em horário de pico não tem
lugar vago; sai ruivinha entra alguém. E, nesse sobe e desce, empurra e aperta,
o tempo vai passando e cada um vai pra um lado, até que o ônibus volta pro seu
lugar sem se preocupar com Julians, nem ruivinhas, nem amores frustrados de estação.
Texto escrito por mim. Espero que tenham gostado.
Beijos, Ju