06 dezembro 2013

rima pobre é coração de joão

Era uma vez um poema esquecido
sobre um tal menino João
De seu feito imperfeito
cantam os menestréis mil canções
sobre a morte de seus corações

Corações no plural pois os tinha por demais

era um pra amar Ana, outro pra Vitória
um pra guardar rancor
um quarto pra caber os amigos
nenhum espaço pra Glória

De tanto sofrer por infarto

João certa feita se viu exausto
um coração só já sofre demais
quatro por'certo é o puro holocausto

Em desatino vestiu-se de desespero
desvairado pegou uma faca trôpega
fincou-a no lado esquerdo às cegas
e bradou a quem conseguisse ouvir:

- meu peito hei de abrir

de lado a lado vou rasgar a pele
os nervos e as conveniências
quatro corações
não merecem condescendência

João da lei, João sem rei

abriu o peito à lâmina fria
aço gelado tal qual caricia
que moça alguma fizera um dia

Cheio de coragem começou a mutilação

chegando enfim ao primeiro coração
direito de Ana, usucapião
esfaqueou-o num golpe só
brotaram de lá catorze rimas 
e uma peça velha de dominó

Ao encontrar o de Vitória,

pagou a dívida, quitou a moratória
bastou dois golpes pra desobstruir
Sentiu o sangue esvair e o peito inchar
já podia respirar sem se cobrar

Partiu então para partir

em miúdas partes
o até então resistente.
Coração rancoroso tem casca grossa
é preciso deixá-lo em farrapos
queimar os pedaços
afogá-los na fossa

Foi preciso trabalho árduo

doce de leite e uma seresta
faca cega miocárdio amargurado
horas de tortura incessante por uma fresta
Assim que se abriu saiu de lá um bicho papão
e origamis coloridos por nenhuma razão

Quase satisfeito João não quis descansar

de quatro corações já fora a trinca
faltava apenas o de amigo
portanto pôs-se a escavar

O quarto coração era valente

difícil de achar
Com o peito arregaçado, encharcado
pouco a pouco foi rompendo artérias
músculos e todo resto de matéria

O ultimo coração de João 

jazia agora em suas mãos
Tinha um quê de imortal, aquele coração imoral
nem cem facadas abriram os ventrículos
nem mesmo os vitrais
João da lei se viu obrigado a ceder

Rei mendigo, rei inimigo,

rei castigo, rei abrigo
se precisava de um coração que batia a pena
que fosse então o de amigo
sem martírio de poeta pobre
que ainda rima João com coração

Encantado e perdido em profunda epifania

João começou a recosturar
o peito que fizera dilacerar

Pegou as rimas e com ela deu os pontos

costurou poema por todo o corpo
A dívida paga aliviou a dor de cabeça
lavou o restinho do sangue da alma
e a vingança do karma
Com os origamis fez ataduras,
arte, pra proteger de bicho papão
tem que ser forte, tecnologia do japão

E por destino quando se viu refeito

João tinha só um coração batendo no peito
Pensou que não seria mais capaz de chorar
e tamanho foi o susto que levou ao perceber
que o que machucava
era exatamente o que restou

É que essa coisa de amor

não tem coração separado
instala onde pode e se acomoda
feito moda velha de viola.


(Esse poema foi escrito para meu amigo João que, numa das nossas conversas, achou que seria melhor, ter mais de um coração.)

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